quinta-feira, setembro 30, 2010

Considerações sobre a ideia de República

O que verdadeiramente distingue hoje uma República de uma Monarquia Constitucional é o postulado que todos os Homens nascem iguais – iguais nos direitos, nos deveres e nas oportunidades, não havendo por isso lugar a “privilégios e direitos de domínio” associados ao berço em que se nasce - e não por causa de conceitos que estão mais associados a uma República de que a uma Monarquia dos quais destaco Democracia e Liberdade. Há hoje Estados Monarquico-constitucionais que asseguram mais Democracia e mais Liberdade aos cidadãos do que muitas repúblicas.
O termo República deriva do latim Res publica (coisa pública) o que pressupõe, imediatamente, que do ponto de vista social existem em simultâneo duas esferas: a esfera pública (onde se trata da “coisa pública”) e a esfera privada (onde se trata das “coisas privadas”). A relação entre essas duas esferas é definida pela “liberdade”. A liberdade que garante aos cidadãos decidirem sobre o seu destino colectivo (liberdade positiva) e a liberdade que impede o Estado de interferir abusivamente da referida esfera privada (liberdade negativa).
A chamada ética republicana (do grego ethos) assenta numa perspectiva filosófica e política em que o valor supremo é o chamado “interesse público”, interesse esse definido colectivamente, e em que o poder deve ser exercido por delegação e não por usurpação e tendo em vista a salvaguarda do interesse geral que implica necessariamente a protecção dos direitos individuais, e que tem associado valores como a honestidade, a probidade, a honra, a tolerância e o assumir das responsabilidades.

segunda-feira, setembro 27, 2010

46 (QuAreNtA e SeIs)

Quarenta e seis, além de ser um número de Wedderburn-Etherington e Erdős–Woods, é o número de anos que completo hoje, o que dá 2400 semanas, 16.802 dias, , 403.248 horas, 24.194.880 minutos e 1.451.692.800 segundos. Tempo que já não me pode ser retirado e que foi vivido completamente, com dias e horas muito boas e outras muito más, mas quase todas – as boas e as más – bem sentidas. Na verdade viver para um ser humano é sentir e sentir que sente. Tal como a maior parte dos seres vivos somos entidades com comportamento, mas, ao contrário deles, temos consciência do que sentimos e porque sentimos. Também nos distinguimos dos demais seres, porque temos memória do passado, noção do presente e temos a capacidade de perspectivar o futuro. É essa consciência que faz toda a diferença.
Dias de aniversário são, por regra, dias de celebração e – de certa forma – dias de balanço. Os dias de aniversário são uma convenção que pesa. Uma convenção que faz com que os outros que nos são próximos se lembrem de nós, uma convenção que nos faz meditar sobre nós mesmos, sobre o “nosso modo, tempo e circunstâncias”.
À medida que as celebrações dos nossos aniversários se sucedem mais tendência temos para tomarmos consciência da nossa finitude e do nosso amadurecimento, para não dizer envelhecimento. Há pessoas que ficam perturbadas com isso. Eu não. Eu apenas constato tais factos.
Não é que a ideia da morte seja uma ideia completamente clarificada. Há muitas e demasiadas coisas carregadas de mistério em seu torno para que a morte me surja como algo cristalino, mas isso não faz com que a mesma me assuste. Não a temo, apenas não a desejo, embora prefira a morte a uma vida de doença e de incapacidade, mas tal situação ainda, felizmente, não se coloca. Quando e se se colocar, então e só então pensarei nisso a sério.
O certo é que me sinto confortável com e no tempo que já usufrui. De uma forma geral tenho arcado com a responsabilidade total das minhas boas e más decisões. Não tenho delegado essa responsabilidade em ninguém e tenho vivido bem com isso.
Por outro lado, à medida que vou andando, tenho procurado aprender. Cada vez gosto mais de aprender e quanto mais vou sabendo mais quero saber. Passei da fase de querer convencer para a fase de não me importar de ser convencido. Encontro hoje nos afectos que construi o meu valor mais seguro e na inquietação criativa – mas não angústia – o meu principal sopro de vida.
Sei hoje que há coisas que é preferível esquecer mas que há outras que são imperdoáveis. Mas há muitas mais que devem ser sempre lembradas e com o passar do tempo que me tocou, vou-me convencendo que viver é uma constante empreitada de obras, assente em projectos de arquitectura de requalificação de vazios urbanos. Colecciono memórias, que são as pegadas encontráveis na minha alma. Nasci instinto-intuitivo e aposto que morrerei perplexo. Quanto ao demais sou um adorador do Sol e inimigo figadal do frio... Tenho pavor da estupidez – da alheia e da própria. Percebi, atempadamente, que nem sempre há amanhã.

segunda-feira, setembro 20, 2010

O Pecado de Manuel Maria Carrilho

(“Embaixador de Portugal na UNESCO, Manuel Maria Carrilho, confirmou à Agência Lusa em Paris que foi "demitido" do cargo, recusando comentar uma decisão de que tomou conhecimento "pela notícia da agência".)



Manuel Maria Carrilho foi o melhor Ministro da Cultura de Portugal desde que há Ministério da Cultura.
Tinha uma ideia concreta sobre “política cultural do Estado” e capacidade intrínseca de se bater por essa mesma ideia quer junto do Governo quer junto da sociedade portuguesa.
Com Manuel Maria Carrilho, Portugal, ganhou notoriedade internacional e a produção cultural interna ganhou um ânimo nunca visto. Manuel Maria Carrilho deixou obra e permanece uma referência.
O “pecado” de Manuel Maria Carrilho – que conduziu ao seu afastamento das lides governativas e a esta espécie de saneamento político da UNESCO – é só um: ser honesto com o seu próprio pensamento e agir em conformidade.
Manuel Maria Carrilho não percebeu – ou se percebeu fez de conta que não percebeu – que em Portugal é muito difícil ser intelectualmente honesto. Em Portugal é essencial ser uma plasticina intelectual, adaptável a todas as realidades e circunstâncias.
Embora tendo pena que essa falta de percepção de Manuel Maria Carrilho o tenha afastado quer do Ministério quer da UNESCO fico particularmente feliz por ele continuar a persistir na estupidez de ser intelectualmente honesto.

domingo, setembro 12, 2010

Cultura, religião e conflitos

Podendo ser ou não religioso, o Homem, é, para além de biológico, fundamentalmente um ser cultural.
É o cultural que nos define enquanto seres com identidade própria e nos posiciona perante os outros e perante a comunidade.
A matriz cultural das pessoas é plurifacetada, composta por inúmeros elementos que ao longo do tempo se foram mesclando e transmitindo geracionalmente e assimilados por cada um através de um processo de aprendizagem que decorre em múltiplos contextos, em que o familiar assume particular – mas não única – importância.
As religiões condicionam e são condicionadas pela cultura. Elas enformam e informam a cultura e por ela são também informadas e enformadas, numa dinâmica que, paulatinamente e conjuntamente com outros factores, definem e caracterizam uma determinada cultura que por sua vez baliza os comportamentos dos indivíduos e dos grupos.
A influência religiosa na cultura é, por isso, importantíssima, mesmo para os indivíduos que pertencendo a um determinado grupo cultural não são particularmente religiosos ou não o são de todo.
Pegando no exemplo cristão-católico e no universo territorial em que essa religião é a mais marcante e comum, existem muitas e muitas pessoas que são ateias, agnósticas ou absolutamente arreligiosas (crentes em Deus mas descrentes em religiões, grupo em que me incluo) que apesar disso são, do ponto de vista cultural, católicas, mesmo que disso não se apercebam. São católicas nas práticas quotidianas e esse catolicismo cultural reflecte-se na forma como se relacionam com eles próprios e com os demais, na forma como trabalham e descansam, como encaram a família, na forma e no que comem, divertem, etc., etc.
Também é evidente a forma como a cultura na sua totalidade adapta a própria religião (voltando ao exemplo cristão-católico ): um católico praticante alemão é diferente de um católico praticante mediterrânico ou latino-americano.
Nesta crescente hostilidade entre cristãos e muçulmanos não são apenas credos discordantes que estão numa espécie de confronto, é muito mais do que isso: são matrizes culturais distintas que entraram numa rota de conflito. São duas formas absolutas de o Homem de ser ver a si mesmo e de ver a sociedade que estão em contenda. Enfim são duas culturas em choque.
Dentro de cada cultura existem patamares e diversos graus de evolução que quanto mais evoluídos mais disponíveis para a compreensão dos outros se tornam e isso verifica-se quer nas culturas cristãmente informadas e enformadas quer nas culturas islâmicamente informadas e enformadas. Quanto mais evoluído culturalmente é um indivíduo dotado de uma matriz cristã mais apto está para a convivência salutar com outro dotado de uma matriz cultural islâmica e vice-versa.
Por isso é que este confronto cultural é particularmente violento nos patamares mais baixos de evolução de cada cultura: quanto mais débeis são as pessoas do ponto de vista cultural mais mesquinhas e sectárias são. Os fundamentalistas (cristãos e islâmicos) são culturalmente primitivos, ignorantes, pouco disponíveis para a aprendizagem e completamente fechados para os outros.
Por isso é que o eliminar deste cancro tem que ser feito por dentro, ou seja, cabe aos cristãos culturalmente evoluídos “educarem” aqueles que partilhando a sua cultura estão ainda num estágio primitivo e o mesmo caberá aos muçulmanos culturalmente evoluídos em relação aos seus. Só assim a realidade se poderá alterar e que o ecumenismo cultural poderá acontecer.

sábado, setembro 04, 2010

Sobre o julgamento do caso "Casa Pia"

Está o País empolgado com o fim do julgamento do “Caso Casa Pia”. Eu não estou nem empolgado nem convencido.
É evidente que houve vítimas. Vítimas indefesas que foram violentadas de forma indigna, crime ainda mais horroroso quando sabemos que as mesmas estavam à guarda do Estado, à guarda de todos nós.
É evidente que houve criminosos e houve condenações no citado processo. Mas já todos percebemos que desse rol de criminosos a maior parte não foi a julgamento. Poder-se-á dizer que em relação a esses não houve indícios suficientes de culpa. Talvez, mas o problema é que, por aquilo que se percebe deste processo, esses mesmos indícios insuficientes em relação a alguns, tornaram-se mais do que suficientes para condenar outros.
É esta duplicidade de critérios em relação aos indícios que me faz não estar nada convencido, porque, vejamos, se os mesmos indícios ora são suficientes ou insuficientes conforme os suspeitos isso só pode significar que foram valorizados de forma diferente conforme o suspeito, o que nos leva, obviamente, às seguintes conclusões: partindo do princípio que os indícios em causa eram efectivamente suficientes para condenar então à lista dos julgados e dos condenados faltam muitos nomes; partindo do princípio que os indícios em causa eram efectivamente insuficientes então os condenados foram-no indevidamente.
Por isso tudo ninguém pode dizer que foi feita Justiça. Não pode haver Justiça quando apenas alguns são condenados e não pode haver Justiça quando há condenados através de elementos alegadamente probatórios obtidos a partir de indícios entendidos de forma dúplice. Até pode ser que se tenha feito alguma justiça com este julgamento, mas “alguma justiça” não é Justiça suficiente. Não o é para as vítimas, não o é para os condenados e não o sendo não pode ser Justiça para a sociedade.