terça-feira, abril 26, 2011

Portugal e o Tempo

Um dos grandes problemas da contemporaneidade é a velocidade: as coisas acontecem tão e tão depressa que se torna manifestamente impossível, sequer, ensaiarmos a síntese dessa mesma contemporaneidade, que é a nossa.
Se não há síntese é sinal que não há laboração, que não compreensão e que não há aprendizagem.
Portugal, desde 1974, que é um exemplo claro dessa velocidade que inviabiliza a síntese.
O inviabilizar da síntese resulta na impunidade e na irresponsabilidade geral.
Portugal, conquistada a Liberdade, não reflectiu suficientemente no que foi a Ditadura, o que a possibilitou e a manteve. Não havia tempo. Não puniu os responsáveis, desde os políticos, passando pelos algozes da PIDE, aos grandes capitalistas e terratenentes que exploraram o Povo durante décadas. Não havia tempo.
Passado o PREC, Portugal não reflectiu suficientemente no que foi o processo revolucionário. Não havia tempo. Não puniu os que queriam de uma ditadura fazer outra, os que roubaram, vilipendiaram e destruíram. Não havia tempo. E foi em urgência, sem tempo, que o País assimilou mais de um milhão de pessoas, regressadas, sem nada de seu, do ex-Ultramar.
Decidida a entrada na CEE, Portugal preocupou-se em resolver a questão política imediata, sedimentar o regime e obter financiamento para a infra- estruturação urgente do País. Não havia tempo para pensar nas implicações económicas da destruição do primário e do secundário.
Passado pouco tempo, e a correr, não houve tempo para pensar se a entrada na moeda única seria ou não vantajosa para Portugal. Mergulhamos na união monetária, com pressa, à pressa e sem perceber se era tempo para isso.
Sempre em alta velocidade. Sempre sem tempo. Sempre apressadamente.
É altura de dizer basta a tanta urgência. É tempo de parar para pensar. É tempo de apurar responsabilidades, reflectir e aprender com os erros. É tempo de olharmos para o tempo e perceber para quê que precisaremos de tempo.
Temos que fazer a síntese, temos que perceber, temos que aprender, temos que reformular.
Senão fizermos isso, senão quisermos perder tempo com isso, perderemos, em definitivo o nosso tempo. E o tempo que virá.

sexta-feira, abril 22, 2011

Da crise, da ponte e da alienação social

A falta de credibilidade das instituições públicas e dos seus agentes tem efeitos devastadores em qualquer sociedade politicamente organizada e Portugal é um bom exemplo disso mesmo.


Um desses efeitos é uma desresponsabilização social, quer do ponto de vista colectivo quer do ponto de vista individual, em relação ao que se passa à nossa volta. As pessoas parece que não querem verdadeiramente saber.


Vejamos, em concreto, esta “ponte alargada” e os principais destinos de férias todos esgotados. É imoral que as pessoas tenham procedido “como habitualmente” quando vivemos momentos de excepcional gravidade. Não há pudor, um pudor que deveria ter levado as pessoas a serem contidas, a darem um sinal aos outros e a elas mesmo que algo de muito grave se está a passar: o País faliu, que é mesmo que dizer que estamos todos falidos. Mesmo aquelas pessoas, que por terem mais posses que as demais, ainda não sentiram os efeitos da crise, tinham a obrigação de procederem de forma diversa do “como habitualmente”.


Quantas destas minis férias não representam um acréscimo de endividamento para a maior parte das famílias? Estou convencido que representa isso para a maioria das famílias que esgotaram os hotéis e os aviões nestes dias.


As pessoas iludem-se, vivem como se vivessem uma espécie de últimos dias, como se não houvesse amanhã. Mas existe amanhã, um amanhã de sacrifícios e uma amanhã para pagar dívidas que cada vez são mais.
Esta alienação social é perigosíssima. Este “estado de negação” é socialmente patológico e é, em simultâneo, sintoma e causa. Sintoma do profundo mal que sofre a sociedade portuguesa e causa de um traumatismo social que não tardará a emergir.


Eu nada tenho contra férias, mini-férias e períodos de lazer. Provavelmente até disponho de meios económicos superiores a grande parte das pessoas que “partiram para férias”, mas apesar disso resolvi ficar por “casa” e trabalhar como “habitualmente”. Resolvi fazer isso porque o País precisa disso. Precisa de pequenos esforços de cada um, de pequenos sinais de cada um, para que a realidade se altere. Temos que perceber que para sairmos do buraco em que estamos metidos só poderemos contar connosco: com o nosso trabalho, com o nosso sacrifício e com a nossa determinação.


Temos tido lideranças fracas, sem qualquer tipo de ideia ou autoridade. Temos que ser superior a elas e a isso. Temos que nos superar. Temos que dar o exemplo.